MÍMESIS, LITERATURA e HISTÓRIA EM ERICH AUERBACH
Este ensaio tem como questão fundamental analisar
os aspectos teórico-metodológicos presentes na obra “Mimesis” do filólogo e estudioso
da literatura Eric Auerbach. Apesar de ter como base o livro “Mimesis”, também
analisaremos outros textos escritos por Auerbach. Nosso objetivo, aqui, é
procurar compreender a formação da consciência histórica na literatura
ocidental a partir das teses esposadas por Auerbach. Trata-se de perceber as
potencialidades da relação entre literatura e história na construção do
conhecimento historiográfico.
De Homero a Virginia Wolf, Erich Auerbach, em
“Mimesis. A representação da realidade na literatura ocidental”, procurou
pensar as condições de possibilidade de síntese do múltiplo dos dados
sensíveis. É uma questão, em última instância, de viés kantiano, a qual
Auerbach procurou resolver, do ponto de vista metodológico, a partir da noção
de “figura”. O vocábulo “figura” significa originalmente "imagem plástica”
[AUERBACH,1998]. Segundo a tese auerbachiana, é uma "configuração
externa", a qual está implicada uma praefiguratio,
isto é, a “figura” é um “algo" histórico o qual anuncia outro
"algo" histórico [AUERBACH,1998].
Auerbach afirma que a síntese histórica é
"simultaneamente um feito científico e uma obra de arte” [AUERBACH, 2012,
p, 366]. Obra de arte, aqui, deve ser entendida, segundo nossa hipótese, como
um artifício retórico que procura dar forma ao conhecimento histórico
[literário]. Como nos elucidou Leopoldo Waizbort, o subtítulo de Mimesis é
"dargestellt Wirklichkeit"
[realidade exposta] na obra e não "Darstellung
der Wirklichkeit" [apresentação ou exposição da realidade] [WAIZBORT,
2004]. Desta sorte, a realidade em Auerbach, como sugere João Adolfo Hansen, é res [pensamentos ou ideias] cujo
referencial é discursivo e não um "referente" histórico [HANSEN,
1994]. Em outros termos, a realidade é a primeira fase [inventio] da elaboração das rethorices
partes [LAUSBERG,1966].
Como processo produtivo do desenvolvimento das ideias, fundamentado em loci communes do discurso, a inventio de Auerbach é produzida através
da analogia das diferenças tomadas como semelhantes de um ponto de vista
figural [AUERBACH, 1998]. Nesse sentido, por exemplo, a estória de Moisés e
Isaque [dissertada no primeiro capítulo de “Mimesis”] prefigura o aparecimento
de “Farinata e Cavalcante” no décimo canto do Inferno da Comédia de Dante
Alighieri [capítulo oitavo de “Mimesis”], produzindo, por seu turno, uma
ligação entre os dois eventos. Auerbach, desta feita, busca um nexo de sentido
a partir do singular, o qual é estruturado como uma espécie de "instante
vital” [SCHOLLHAMMER, 1994] capaz de produzir uma dimensão universal e
verdadeira.
Pode-se
citar, neste sentido, o último capítulo de “Mimesis”, o qual elucida, dentre
outras questões, o desaparecimento na literatura do narrador de fatos
objetivos. Desta forma, na narrativa de Virginia Wolf, por exemplo, o
acontecimento relatado é fruto do fluxo de consciência das personagens
[AUERBACH, 2013a], e desta pluralidade de consciência dos sujeitos é alcançada
uma realidade autêntica, exposta na obra pela síntese dessa representação
unipessoal e pluripessoal [AUERBACH, 2013a]. Como se pode inferir, é também, em
certo sentido, este o procedimento de Auerbach, o qual buscou uma síntese a
partir de uma multiplicidade de representações postas em obras literárias, como
o próprio autor afirma no referido capítulo:
Confia-se mais nas sínteses, que são obtidas mediante o exaurimento de
um acontecimento quotidiano , do que num tratamento global cronologicamente
ordenado, que persegue o tema do princípio ao fim, empenhado em não deixar de
fora nada exteriormente essencial e que salienta energicamente as grandes
mudanças do destino como se fossem articulações do acontecer [...] o presente
trabalho pode ser tomado como exemplo disso. Nunca poderia ter escrito algo
como a história do realismo europeu; ter-me-ia afogado na matéria [...]” [AUERBACH,
2013a].
Desta
sorte, a história para Auerbach é um conhecimento factível ao homem, no qual,
em “Mimesis”, encontra, no já citado capítulo oitavo, um ponto de grande
importância [WAIZBORT, 2004]. Leopoldo Waizbort chega a citar que este capítulo
é o ponto fulcral da tese de Auerbach [WAIZBORT, 2013a]. Com efeito, segundo
Auerbach, com Dante observamos o aprofundamento da questão da historicidade do
homem.
Há
em Dante, segundo esta perspectiva, um novo conceito de sublime, diverso do
clássico, que abrange o baixo, o quotidiano, o grotesco, aspectos os quais não
conheceriam uma sublimidade na Antiguidade Clássica [AUERBACH, 2013]. Esta nova
ordenação do sublime, permitiu a Dante tratar as suas personagens numa dimensão
mais viva e perceber, desta forma, os acontecimentos terrenos em si
[AUERBACH,2013a], ainda que fossem acompanhados de uma dimensão figural.
Auerbach
procurou, segundo esta perspectiva, mostrar a ligação do realismo figural de
Dante com a literatura cristã. Com efeito, no capítulo anterior ao “Farinata e
Cavalcante”, a saber, “Adão e Eva”, Auerbach salienta como o drama cristão da
salvação foi responsável por fundir o estilo de linguagem elevado, conhecido
como sermo gravis ou sublimis, com o baixo, sermo remissus ou humilis [AUERBACH, 2013]. Essa
combinação, por sua vez, renasceu com força, segundo Auerbach, na literatura
teológica e mística do século XII [AUERBACH,2013a]. Auerbach afirma, desta
forma, que a constatação da grandeza do acontecimento presente no cânone
bíblico não excluiu, por seu turno, o cotidiano e o humilde em sua
representação. Como Auerbach salienta em um dos “Ensaios de
Literatura Ocidental”, o estilo que domina a Bíblia, ainda que disserte sobre
aspectos secretos e de grande profundidade, portanto, temas sublimes, é o
baixo, humilis [AUERBACH, 2012]. Da mesma forma,
Dante reconheceu que seu tema e estilos são sublimes [AUERBACH, 2012], mas
adquiriram, por seu turno, uma modelagem específica.
Desta
sorte, Dante, segundo Auerbach, transferiu o mundo terreno para o além, ao
passo que através do realismo dantesco a existência terrena e certa
historicidade do homem tornaram-se categoricamente manifestas [AUERBACH,
2013a]. De fato, a transferência da historicidade terrena para o além na
Comédia está intimamente relacionada à pergunta sobre a "estrutura do
acontecer" no realismo de Dante [AUERBACH, 2013a] que nos remete à
investigação da tessitura mimética da história. Neste sentido, em “Mimesis”, o
retrato da individualidade das personagens na Comédia de Dante prefigura a
quebra da regra clássica da diferenciação dos níveis [AUERBACH, 2013a], a qual
permitiu a introdução do sentido histórico na crítica e o não reconhecimento da
noção de belo imutável [AUERBACH, 2015].
Umas
das questões centrais de “Mimesis”, neste sentido, é a investigação sobre as
condições de possibilidade do conhecimento histórico. A tarefa de escrever a
história da representação da realidade na literatura ocidental, mobilizada por
Auerbach em “Mimesis”, jamais poderia ser feito de uma forma tradicional. Neste
sentido, Auerbach, mais do que escrever a história dessa representação,
procurou identificar como se deu o aparecimento da consciência histórica na
produção literária ocidental, o qual permitiu, doravante, o aparecimento do
realismo sério. Trata-se, aqui, do reconhecimento das limitações da produção do
conhecimento histórico diante do devir humano e da particularidade de cada
instante histórico. No primeiro capítulo de “Mimesis”, Auerbach chega a
aproximar a escrita da história as técnicas de produção do lendário: “Escrever
história é tão difícil que a maioria dos historiadores se vê obrigado a fazer
concessões a técnica do lendário” [AUERBACH, 2013a, p. 17].
Ao
analisar o Decameron de Boccaccio em “Mimesis”, Auerbach justamente aprofunda a
problemática da historicidade como condição humana. De fato, fundamentado
nessas questões, Auerbach identificará em Boccaccio o aparecimento do estilo
médio, o qual permitiu a representação do mundo real presente. Desta forma,
Bocaccio, a partir do novo conceito de sublime mobilizado por Dante,
ultrapassou a visão figural-cristã da Comédia, na medida em que as suas
personagens vivem exclusivamente na terra e não mais numa dimensão cristã de
além [AUERBACH, 2013a]. Tais questões, por sua vez, contribuíram para que com
Boccaccio tivéssemos, segundo Auerbach, a formação da noção de novela. Isto não
quer dizer, contudo, que Boccaccio seja o criador dessa forma de narrativa. De
fato, mas do que preocupado em encontrar a gênese do discurso novelesco,
Auerbach quer apontar como o devir histórico vem acompanhado de transformações
na forma de expor a realidade em obra. No livro “A novela no início do
Renascimento. Itália e França”, Auerbach, neste sentido, afirma que a novela é
uma criação do Renascimento, intrinsecamente ligada à emergência de um
indivíduo consciente de si, portanto, de sua historicidade, e da afirmação de
um tipo de realismo:
A forma da novela resulta de sua natureza: ela precisa ser realista, na
medida em que assume os fundamentos da realidade empírica como algo já dado;
não o é na medida em que pode conter a realidade apenas como imagem formada e
não como material bruto. Assim, ela tem de pressupor um éthos, e um tal que não
possua base metafísica, mas se assente nas leis do convívio social. [AUERBACH,
2013b].
Esta
representação do homem como um ser preso as leis do convívio social, é, sem
dúvida, umas das máximas do livro “Mimesis”. Trata-se, notadamente, de mostrar
como a literatura passou a expor a condição humana. Desta sorte, no décimo
capítulo do livro, chamado “Madame du Chatel”, Auerbach utiliza pela
primeira vez a expressão “imagem criatural” [AUERBACH, 2013a], a qual é fruto
da mistura cristã dos estilos, discutida nos primeiros capítulos de “Mimesis”.
Em certo sentido, trata-se de uma imagem viva do homem, de sua afirmação como
ser finito, marcado pelo sofrimento, o devir e a mortalidade. Auerbach, no
referido capítulo, a partir de tal perspectiva, identifica que no fim da Idade
Média ocorreu um desgaste do modelo criatural de Dante, o que permitiu, por seu
turno, a ampliação dos objetos representados [AUERBACH, 2013a].
O
Pantagruel de Rabelais analisado por Auerbach em “Mimesis” também está
profundamente marcado por esta transformação. Em Rabelais, Auerbach identifica
aquilo que chamou de “princípio do redemoinho embaralhador” [AUERBACH, 2013a],
uma forma de apreensão do mundo, marcada por suas condições históricas, a qual
mistura as categorias da experiência, do saber e do estilo, permitindo, por sua
vez, a formação de um realismo criatural inteiramente novo, caracterizado por
uma visão triunfante do mundo terreno. Como se pode notar, a produção do
conhecimento histórico em Auerbach não se constitui por uma sucessão contínua
de acontecimentos [BERG, 1994], mas sim por uma conexão que transcende a
dimensão espacial do tempo. Trata-se, de fato, de uma crítica dos pressupostos
da concepção de história de seu tempo.
Desta
sorte, “Mimesis” é atravessada pela busca em compreender quando é possível
verificar, na literatura ocidental, a representação do mundo por um viés de
caráter histórico, isto é, estritamente terreno. Em outros termos, trata-se de
investigar, como já sublinhamos acima, o aparecimento da consciência histórica
na literatura ocidental. Auerbach, desta forma, está essencialmente preocupado
em compreender essa faceta do homem, o qual é um ser irrefragavelmente
histórico. No décimo segundo capítulo de “Mimesis”, chamado de “L’humaine Condition”, questão, por
excelência, de todo o livro, Auerbach encontra em Michel de Montaigne uma concepção
de homem profundamente realista, a qual reconhece o caráter transitório do
mundo e do homem:
Nestas palavras fala uma concepção do homem de caráter muito realista,
originada na experiência e, sobretudo, na experiência de si próprio:
precisamente, a que diz que o homem é um ente vacilante, sujeito às mudanças do
mundo, do destino e dos seus próprios movimentos interiores. [AUERBACH, 2013a].
É
evidente que a consciência histórica mobilizada em Dante, Boccaccio, Rabelais e
Montaigne, para ficar no que destacamos até agora, são de uma natureza
diferente, segundo Auerbach, da forma que se manifestou em Stendhal, o qual foi
essencial para o surgimento do realismo sério. Assim, Auerbach reconhece essas
particularidades de cada configuração histórica, mas procura, conforme
afirmamos acima, uma constante na história da exposição da realidade nas obras
literárias do ocidente, a qual é, em última instância, a própria condição do
indivíduo como um ser marcado pelo devir histórico, como está sugerido por
Auerbach na citação acima. Não há, neste sentido, um capítulo de “Mimesis” que
Auerbach não procure investigar as transformações na forma de narrar oriundas
do lento aparecimento da consciência histórica.
Segundo
tais premissas, Auerbach procurou sublinhar como as diversas formas de
representação estão presentes, ainda que de forma diferenciada, na literatura
do século XVIII. Para Auerbach, Stendhal foi o fundador do realismo moderno
sério [AUERBACH, 2013a]. Desta sorte, ao analisar o “O Vermelho e o Negro” de Stendhal
constata que a personagem Julien Sorel, protagonista da história, é
representada a partir das circunstâncias históricas de seu tempo, isto é, na
mais concreta história da época. Também Balzac, segundo Auerbach, contribuiu
para a criação do realismo moderno [AUERBACH, 2013a]. Assim como Stendhal, as
personagens de Balzac são representadas pelos acontecimentos da época, isto é,
submersos na temporalidade. Estas são, por sua vez, juntamente com o
afrouxamento da regra estilística - conquistada, especialmente, com Shakespeare
- as condições históricas do aparecimento do realismo sério, o qual Auerbach
perseguiu ao longo de “Mimesis”:
O tratamento sério da realidade quotidiana, a ascensão de camadas
humanas mais largas e socialmente inferiores à posição de objetos de
representação problemático-existencial, por um lado – e, pelo outro, o
engarçamento de personagens e acontecimentos quotidianos quaisquer no decurso
da história contemporânea, do pano de fundo historicamente agitado – este são,
segundo nos parece, os fundamentos do realismo moderno [...] [ AUERBACH,
2013a].
Cumpre
indagar, ainda, o que há de a-histórico no projeto literário de Auerbach.
Segundo Hansen, Auerbach mobiliza unidades transistóricas de
"indivíduo" e "cotidiano" que apagam as devidas diferenças
históricas dos textos analisados [AUERBACH, 1994]. É bem verdade que o
anacronismo cometido por Auerbach é, em certo sentido, voluntário, Hansen o
denominou de "anacronismo perspectivado” [HANSEN, 1994, p. 54], o qual
denuncia o presente do analista. Destarte, do ponto de vista do método, podemos
encontrar elementos a-históricos na escrita de Auerbach. Contudo, isto não
significa, segundo nossa hipótese, um problema que prejudicaria os objetivos do
livro. Cumpre citar, ainda, a devida articulação da perspectiva de Auerbach com
a situação de seu tempo, marcado pela existência de duas guerras mundiais e da
experiência do Holocausto. “Mimesis” foi publicado em 1946, período no qual
Auerbach encontrava-se exilado na cidade de Istambul. Ainda que não seja
possível pensar, de um ponto de vista simplório, a obra pelo autor, é
categórico o fato deste cenário de horror ter marcado determinados aspectos da
produção de “Mimesis”. Vale lembrar que “Mimesis” pressupõe a produção de um leitor
dentro do próprio texto, o qual não é um leitor implícito no sentido de
Wolfgang Iser [ISER, 1996], mas sim um leitor de ação provocado pelo texto a
agir diante da barbárie [nazifascismo]. Trata-se de um texto que procura fazer
de seu leitor um indivíduo consciente das circunstâncias históricas aos quais
estamos inevitavelmente atrelados. Não somente isso, mas tal consciência deve
ser acompanhada de uma ação de resistência. Assim como Stendhal - ao menos da
forma como foi posta em obra pelo autor aqui analisado - fundamenta seu
realismo numa atitude de resistência contra o presente [AUERBACH,
2013a], Auerbach, neste sentido, resiste a barbaridade do seu tempo com a
produção de “Mimesis”.
Referência
Diogo
Luiz Lima Augusto é doutorando em História Social da Cultura pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro [PUC-RJ]. Mestre em História Social
Pelo PPGHIS-UFRJ. Bacharel em História pelo Instituto de História da
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Membro associado da Sociedade
Brasileira de Teoria e História da Historiografia [SBTHH] e membro afiliado da
Associação Nacional de História [ANPUH-Brasil]. Professor Tutor da Universidade
Federal Rural de Pernambuco.
AUERBACH,
Erich. Mimesis. A representação da
realidade na literatura ocidental.
São Paulo: Perspectiva, 2013a.
_____.
A
novela no início do Renascimento. Itália e França. São Paulo: Cosac
Naify, 2013b.
_____. Figura. Madrid: Trotta,1998.
_____.
Ensaios
de Literatura Ocidental. Filologia e crítica. São Paulo: Editora 34,
2012.
_____.
Introdução aos estudos literários. São Paulo: Cosac Naify, 2015.
BERG,
Walter Bruno. Figura
- Modelo para armar outra história? Reflexões acerca da utilização do conceito
em Auerbach e Cortázar. In: V Colóquio UERJ. Erich Auerbach. Rio
de janeiro: Imago Ed,1994.
HANSEN,
João Adolfo. Mímesis: Figura, Retórica & Imagem. In: V Colóquio UERJ. Erich Auerbach. Rio
de janeiro: Imago Ed,1994.
ISER,
Wolfgang. O ato da leitura: um Teoria do Efeito Estético. Volume 1. São
Paulo: Editora 34, 1996.
LAUSBERG,
Heinrich. Manual de Retórica Literária. Madrid: Editorial Gredos, 1966.
SCHOLLHAMMER,
Karl Erik. Comentário
a "Mímesis: Figura, Retórica & Imagem" de João Adolfo Hansen.
In: V Colóquio UERJ. Erich Auerbach. Rio de janeiro: Imago Ed,1994.
WAIZBORT,
Leopoldo. Erich Auerbach sociólogo. Tempo social. São Paulo, v.16,
no.1, 2004.
_____.
Posfácio. A
estreia de Erich Auerbach nos estudos literários. In: AUERBACH, Erich. A novela no início do
Renascimento. Itália e França. São Paulo: Cosac Naify, 2013.
Ótimo texto, Diogo. Eu acrescentaria, como provocação, um comentário: seria interessante analisar comparativamente o livro de Auerbach como o mesmo gesto de Primo Levi em "É isto um homem?". Cada um a seu modo emulando uma forma crítica, delclinada ao literário, a enfrentar o processo histórico. Gostaria de lembrar, também, que o fundo histórico das obras analisadas pelo Auerbach não são resistentes às coerções estéticas, ou melhor, expressivas do próprio texto. Auerbach é fruto da disciplina Estética e, portanto, seu insumo retórico está mais preocupado com uma metafísica de arte justificada pelos andamentos que ele reclama como cotidiano. Agradeço a atenção!
ResponderExcluirMarcelo Alves,
ExcluirObrigado pela pergunta. Sim, acredito que ambos, Primo Levi e Auerbach, souberam usar da arte como forma de resistência ao horror da guerra e do Holocausto. A questão do Primo Levi era justamente como ele poderia contar o horror dos campos do extermínio. A solução é metafórica. O escape tem que ser através da linguagem literária. Assim, o discurso literário é capaz de expressar, apesar de suas próprias limitações, o inefável, aquilo que não sou capaz de dizer denotativamente. Ao meu juízo, Auerbach também procura dar conta da realidade através do artifício literário e retórico. A questão do livro "Mímesis" é justamente compreender a formação da consciência histórica na literatura para, em última instância, retratar que somos seres irrefragavelmente inseridos em um ambiente histórico. Desta sorte, segundo esta perspectiva, ao tomar consciência de sua adesão ao seu próprio presente, Auerbach deseja convidar o leitor a agir no mundo. Portanto, Auerbach busca estimular certo engajamento político na realidade. Quanto ao outro questionamento, concordo com você em relação à estética, talvez isso explique até sua dimensão a-histórica naquilo que chamei, a partir de Hansen, de anacronismo perspectivado.
Diogo Luiz Lima Augusto
*declinada
ResponderExcluirObrigado pela sua pergunta.
ExcluirResposta dada acima.
Diogo Luiz Lima Augusto
Muito interessante o texto e a proposta estabelecida.
ResponderExcluirA relações entre História e Literatura, embora muitas vezes tênues, são instigantes.
Meu questionamento é o seguinte: no seu texto colocas que “a produção do conhecimento histórico em Auerbach não se constitui por uma sucessão contínua de acontecimentos [BERG, 1994], mas sim por uma conexão que transcende a dimensão espacial do tempo”, isso poderia ir em complemento com as concepções de consciência histórica de Jörn Rüsen ligadas a Educação Histórica?
Rüsen entende a consciência histórica como “[...] um conjunto de operações mentais que definem a peculiaridade do pensamento histórico e a função que ele exerce na cultura humana” (2010, p. 37). Nesse sentido, as concepções de Auerbach que colocas em seu texto, mesmo que aplicadas a literatura, podem ser entendidas como percepções da consciência histórica formada nos sujeitos literários, entendidos como autores, expressas narrativamente em suas obras?
Agradeço a atenção.
Sandiara Daíse Rosanelli
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ExcluirSandiara,
ExcluirMuito obrigado pela pergunta. Vamos partir da passagem Jörn Rüsen destacada por você. Nesta definição de Rüsen temos a discussão da forma como os homens interpretam as suas experiências. Em outros termos, a partir de uma consciência histórica a questão é saber como os homens interpretam sua vida prática. Desta sorte, a consciência história relaciona-se, segundo Rüsen, com as formas de aprendizado histórico. Por aprendizado histórico, aqui, devemos entender o sentido que é atribuído ao tempo. Formas diferentes de aprendizado histórico estão relacionados, por sua vez, a diferentes tipos de consciência histórica: tradicional, exemplar, crítica e genética. Em síntese: a consciência histórica tradicional produz uma relação entre passado, presente e futuro na qual o passado adquire uma força maior, dado o destaque da ideia de uma origem comum ou um sentimento de unidade assentado em uma tradição; na exemplar, por sua vez, o passado é visto como um exemplo moral a ser seguido; a consciência histórica crítica, como o nome sugere, é uma forma crítica do aprendizado histórico, o qual nega, por seu turno, qualquer modelo histórico ou identidade de tradição;A consciência histórica genética, por fim, parte da noção da dinamicidade da experiência, isto é, a mudança é o fundamento do sentido da história. Partindo do que foi exposto até aqui, podemos afirmar que a ideia de consciência histórica esposada por Auerbach fundamenta-se em outra lógica. Ao analisar a ideia de consciência histórica na literatura ocidental , Auerbach quer mostrar como se desenvolveu, na literatura ocidental, a formação do realismo sério e, portanto, a consciência de que somos seres marcados por nosso tempo. Esse descontínuo de Auerbach, contudo, poderia, em certo sentido, ser relacionado a ideia de consciência histórica genética de Rüsen, mas acredito que seria forçar algo que não se encontra nos escritos do filólogo.
Diogo Luiz Lima Augusto
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